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Resenha - Bom Crioulo

  • Laura Penha
  • 3 de jul. de 2015
  • 5 min de leitura

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TÍTULO: Bom Crioulo

AUTOR: Adolfo Caminha

ANO DE PUBLICAÇÃO: 1895


Amaro era um escravo fujão. Sempre que tinha uma chance, fugia. Com seu porte físico forte e sua rapidez, tinha lá sua vantagem em relação aqueles que o procuravam. Em uma fuga, conseguiu chegar a um navio. Lá os marinheiros mandaram-no tirar a roupa e o examinaram minuciosamente, até olharam seus dentes. Levaram-no para a marinha e lá ganhou um uniforme de marinheiro e, como ele mesmo sente, sua liberdade. Passou dez anos trabalhando como marinheiro, usando sua força bruta.

Educado, obediente e responsável, assim o definiam.


"O negro era para gente" (p. 41)


Ficou, então, conhecido como o Bom-Crioulo.

Amaro só dava problemas quando bebia. Se alterava, puxava briga a toa por motivos nenhum e, depois, era punido por seus superiores. A vida corria bem. Uns percalços aqui e outros ali, mas nada que mudasse em muito a vida do marinheiro.

Um dia ingressa no navio um jovem grumete chamado Aleixo. Com sua pele alva, se rosto delicado e lindos olhos azuis, o meninote chamou a atenção de Bom-Crioulo. Os outros marinheiros passaram a tratar Aleixo de forma rude por causa de sua delicadeza feminina.

“Faltavam-lhe os seios para que Aleixo fosse uma verdadeira mulher.” (p. 79)

Assim, Amaro se aproximou do grumete a pretexto de amizade e de proteção. A reputação de Bom-Crioulo e sua força, já conhecida por todos, eram o bastante para fazer com que os outros não se metessem com seu protegido. Amaro chegou a levar chicotadas como castigo por se envolver em uma briga com outro marinheiro afim de proteger Aleixo.

Com o tempo, Bom-Crioulo passou a ter desejos, delírios envolvendo o jovem delicado a quem protegia. Sentimentos que um homem sente por mulher.

“E vinha-lhe a imaginação o pequeno com seus olhinhos azuis, com seu cabelo alourado, com suas formas rechonchudas, com seu todo provocar.” (p. 50)

É aí que Amaro decide abrir o jogo com Aleixo e ele, se sentindo grato (e também em dívida com o negro), aceita a proposta do negro e eles tem sua primeira vez a bordo do navio.

“Começava a sentir no próprio sangue impulsos nunca experimentados, uma como vontade ingênita de ceder aos caprichos do negro, de abandonar-se-lhe para o que ele quisesse – uma vaga distensão dos nervos, um paurido de passividade. (...) E consumou-se o delito contra a natureza.” (p. 63)

Em terra, Amaro alugou um quarto (o porão) numa casa da rua da Misericórdia que pertencia a Dona Carolina, de quem já havia salvado a vida anos atrás. A senhora de seus quarenta e tantos anos tinha muita estima pelo negro.

Do quartinho da Rua da Misericórdia foi que fizeram seu lugar. Amaro sempre arranjava tempo para voltar da Corveta e ficar com Aleixo.

“Ele, D. Carolina e Bom-Crioulo eram como uma pequena família, não tinham segredos entre si, estimavam-se mutuamente” (p. 80)

Ficaram assim por um ano, até que mudaram Bom-Crioulo de navio e instruíram seu novo comandante a não deixar que o negro fosse com tanta frequência a terra firme por causa da bebida que o fazia virar uma besta. O comandante aceitou o conselho do outro, deixando Amaro afastado por muito tempo do quartinho na Rua da Misericórdia e de seu grumete.

Enquanto Amaro trabalhava, triste e zangado pela saudade, Aleixo se entediava em terra firme. Saia ao Passeio Público em busca de distração e quando voltava D. Carolina o mimava com sua comida, com sua conversa, sempre o chamando de "o Bonitinho". Ela era uma portuguesa gorda e velha, mas ainda tinha o sangue quente. Mantinha relações com o açougueiro, que lhe dava pensão e ajudava no sustento. Acreditava que, mesmo com certa idade, ainda merecia ter orgasmos. Assim, a senhora tinha lá seus romances, mas nunca havia se relacionado com um meninote e, por isso, decidiu seduzir Aleixo. Os mimos faziam parte de sua tentativa de conquista, embora ele achasse que era um carinho materno o que ela lhe dava.

D. Carolina, uma noite, o chama ao seu quarto e investe contra ele com seu corpo. Tira a roupa dele e a dela num ímpeto selvagem e descontrolado, ele mal podia acreditar que ela era a mesma de segundos atrás. Aleixo se enche de desejo pelas curvas de mulher, mesmo as da gorda portuguesa, que segurava os "peitos caídos", e se entrega a ela. D. Carolina e Aleixo vivem numa alegria de recém-casados, de noivos na lua de mel.

Então fica claro para Aleixo que “tinha pena dele (Amaro), compadecia-se, porque afinal devia-lhe favores, mas não o estimava: nunca o estimara!”.

O comandante não permitia que Amaro saísse do navio, por isso ele aproveitou a ida de um marinheiro para comprar suprimentos e escapou-se. Na primeira oportunidade, se dirigiu a Rua da Misericórdia. D. Carolina o recebeu e avisou que Aleixo estava na Corveta. Ele, então, dormiu e no dia seguinte partiu. Viu um rebuliço por causa de um homem desmaiado que outros dois não conseguiam levantar e decidiu fazer algo. Sozinho, conseguiu carregar o homem. Um barista, admirado, ofereceu cachaça e lá ele ficou bebendo até que foi embora, voltando ao navio. Bêbado e alterado, xingou quem via e quem não via, e ainda iniciou briga com um português. Depois desse episódio, foi severamente castigado e depois mandado para o hospital, onde ficou tanto tempo que foi emagrecendo. Já não era o mesmo de antes, estava fraco. "Acabado". Já Aleixo tomava forma de homem. Estava mais forte, bronzeado e saudável.

D. Carolina sentia tanto orgulho do menino que o mimava de todas as formas possíveis. Ela dividia seu quarto com ele. Se desfizeram das coisas do negro e o porão, trancaram. As coisas iam bem até que Amaro conseguiu fugir do hospital e seguir para a rua da Misericórdia, onde ouviu o boato que corria de que Aleixo e D. Carolina estavam se relacionando. Da casa ele vê sair Aleixo e o agarra e aperta-lhe o pescoço até que pare de respirar. D. Carolina vê tudo da janela.

A multidão cerca o corpo desfalecido no chão e Amaro vai embora, deixando para trás a Rua da Misericórdia.

Por que ler Bom-Crioulo?

O destaque do livro é a relação homossexual que, além de sê-lo é também inter-racial e entre homens de idades muito distintas.

É interessante reparar que na marinha, onde Amaro se encontrou livre e “igual” aos outros homens, também havia discriminação.

“A gente não tinha remédio senão obedecer calada, porque marinheiros e negros cativos, afinal de contas, vem a ser a mesma coisa.” (p. 84)

Então, mesmo que não fosse mais escravo, o trabalho bruto continuava com ele. Os homens que o levaram até a marinha o examinaram como quando se compra um cavalo, olhando seus dentes.

“Escravo na fazenda, escravo a bordo, escravo em toda parte...” (p. 68)

Observa-se também que Amaro coloca a culpa de seu desejo na natureza, afirmando que “A natureza pode mais que a vontade humana” (p. 67). Constantemente ele se refere a natureza como fator condicionador da sua relação com Aleixo.

“E o mais interessante é que “aquilo” ameaçava ir longe, para mal de seus pecados... Não havia jeito senão ter paciência, uma vez que a “natureza” impunha-lhe esse castigo.” (p. 66)

Já no que se refere a Aleixo, percebe-se que ele cede ao que lhe servir melhor em cada situação.

 
 
 

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